A torcida atleticana idolatra José Reinaldo de
Lima. Afinal, de 1973 a 1985 o atacante comandou o ataque do Galo e chegou à
seleção brasileira por seus méritos com a bola nos pés.
Reinaldo comemorava seus gols com o punho erguido |
Quem
não gostava muito de Reinaldo era os chefes militares que comandam o país
durante a ditadura. Para aqueles homens que tinham usado a Copa de 1970 e a
seleção como armas de propaganda, era inadimissível que um jogador usasse o
espaço do gramado para fazer política, tal qual tinham feito escaradamente anos
antes.
Como
poucos jogadores de futebol no país, o atacante atleticano desvirtuava no
perfil comum a esses atletas. Politizado, defendia abertamente a queda da
ditadura, o retorno da democracia e, numa época de preconceitos contra tudo,
peitou a todos ao defender sua amizade com o radialista Tutti Maravilha,
declaradamente homossexual.
Por assumir ideias e uma apresentar uma personalidade
contestadora, quando proibir era a palavra de ordem, Reinaldo passou a ser
perseguido dentro e fora dos campos. Nos gramados, os adversários tentavam
minar seu talento. Fora deles, calúnias o apontavam como “cachaceiro,
maconheiro, veado”, como contou em entrevista ao programa “Fantástico”, da Rede
Globo, em 2008. Tudo isso porque comemorava seus gols com o punho erguido,
imitando o gesto do grupo Panteras Negras que lutava pelos direitos civis dos
negros nos EUA.
À revista Placar, Reinaldo disse que fazia o gesto porque “era preciso mostrar resistência ao
regime militar para acelerar o processo democrático. O futebol sempre foi um
meio reacionário”. E tinha razão.
Convocado para a Copa de 1978, realizada na Argentina tomada
pelo golpe militar de Jorge Rafael Videla, o atacante queria mostrar ao mundo
que era contra a repressão militar no Brasil. Decidido a comemorar os gols da mesma forma na Copa, tentou
ser dissuadido pelo general Ernesto Geisel, presidente do país naquela época.
Segundo o ex-jogador, o almirante Heleno Nunes, então presidente
da Confederação Brasileira de Desportos, e o André Richer, chefe da delegação
brasileira na Copa do Mundo de 1978, chegaram a dizer para que ele não vibrasse
ao marcar gols daquela forma, bem como não comentasse questões políticas.
Mas foi em visita ao presidente Ernesto Geisel, no Palácio
Piratini, em Porto Alegre, antes da Copa, que ouviu da boca do general que o
gesto não era bem-vindo. "Vai jogar bola. Deixa que a política a gente
faz". Reinaldo revela que
chegou a pensar no “conselho” de Geisel. Afinal, o jogador já vivia um
linchamento desnecessário da mídia por sua postura contestadora.
Porém, na estreia do Brasil no Mundial contra a Suécia,
partida que terminou empatada em 1 a 1, Reinaldo foi o autor do gol brasileiro.
Sem pensar, ergeu o punho e comemorou o gol. A atitude não agradou a comissão
técnica.
Naquele momento, a Argentina enfrentava uma crise
internacional pelas denúncias de mortes e torturas, de tal modo que muitos
países eram contra a realização do Mundial no local. E ter um atacante
brasileiro, declaradamente contra o regime militar, comemorando um gol como um
militante de esquerda ia totalmente contra os interesses de todos.
Reinaldo recebeu um recado claro sobre o ato: foi sacado do
time titular e não voltou a jogar naquela Copa. Embora estivesse enfrentado
problemas físicos, o ex-jogador acredita que enfrentar a ordem de Geisel foi
determinante para sua saída da equipe.
Ainda naquela Copa, ele recebeu um envelope anônimo da
Venezuela com informações em espanhol sobre a ditadura na América do Sul. A
existe deste documento e de suas informações nunca foram reveladas por Reinaldo
antes do fim da ditadura. O Brasil ainda vivia sob o AI-5 e, apesar do processo
de distensão política, todo cuidado era pouco.
Reinaldo não temia ser atingido fisicamente pela ditadura.
“Eu contava com respaldo popular. Não iam me sequestrar ou matar, como fizeram
com vários outros brasileiros. Mas fui queimado em fogueira pública”, revela.
Como todos sabem, o Brasil saiu invicto da Copa e, por uma
daquelas coincidências que esbarram em milhões de teorias da conspiração, a
Argentina do general Videla sagrou-se campeã. Reinaldo seguiu a vida no
futebol, mas ficou marcado na memória como o jogador que ousou erguer os punhos
contra a ditadura.
(Por Vanessa Gonçalves)
Assista ao gol que afastou Reinaldo do jogos da Copa de 1978:
Nenhum comentário:
Postar um comentário