domingo, 25 de maio de 2014

Reinaldo – punho erguido contra a ditadura


A torcida atleticana idolatra José Reinaldo de Lima. Afinal, de 1973 a 1985 o atacante comandou o ataque do Galo e chegou à seleção brasileira por seus méritos com a bola nos pés. 

Reinaldo comemorava seus gols com o punho erguido

Quem não gostava muito de Reinaldo era os chefes militares que comandam o país durante a ditadura. Para aqueles homens que tinham usado a Copa de 1970 e a seleção como armas de propaganda, era inadimissível que um jogador usasse o espaço do gramado para fazer política, tal qual tinham feito escaradamente anos antes.

Como poucos jogadores de futebol no país, o atacante atleticano desvirtuava no perfil comum a esses atletas. Politizado, defendia abertamente a queda da ditadura, o retorno da democracia e, numa época de preconceitos contra tudo, peitou a todos ao defender sua amizade com o radialista Tutti Maravilha, declaradamente homossexual.

Por assumir ideias e uma apresentar uma personalidade contestadora, quando proibir era a palavra de ordem, Reinaldo passou a ser perseguido dentro e fora dos campos. Nos gramados, os adversários tentavam minar seu talento. Fora deles, calúnias o apontavam como “cachaceiro, maconheiro, veado”, como contou em entrevista ao programa “Fantástico”, da Rede Globo, em 2008. Tudo isso porque comemorava seus gols com o punho erguido, imitando o gesto do grupo Panteras Negras que lutava pelos direitos civis dos negros nos EUA.

À revista Placar, Reinaldo disse que fazia o gesto porque “era preciso mostrar resistência ao regime militar para acelerar o processo democrático. O futebol sempre foi um meio reacionário”. E tinha razão.

Convocado para a Copa de 1978, realizada na Argentina tomada pelo golpe militar de Jorge Rafael Videla, o atacante queria mostrar ao mundo que era contra a repressão militar no Brasil.  Decidido a comemorar os gols da mesma forma na Copa, tentou ser dissuadido pelo general Ernesto Geisel, presidente do país naquela época.

Segundo o ex-jogador, o almirante Heleno Nunes, então presidente da Confederação Brasileira de Desportos, e o André Richer, chefe da delegação brasileira na Copa do Mundo de 1978, chegaram a dizer para que ele não vibrasse ao marcar gols daquela forma, bem como não comentasse questões políticas. 

Mas foi em visita ao presidente Ernesto Geisel, no Palácio Piratini, em Porto Alegre, antes da Copa, que ouviu da boca do general que o gesto não era bem-vindo. "Vai jogar bola. Deixa que a política a gente faz".  Reinaldo revela que chegou a pensar no “conselho” de Geisel. Afinal, o jogador já vivia um linchamento desnecessário da mídia por sua postura contestadora. 

Porém, na estreia do Brasil no Mundial contra a Suécia, partida que terminou empatada em 1 a 1, Reinaldo foi o autor do gol brasileiro. Sem pensar, ergeu o punho e comemorou o gol. A atitude não agradou a comissão técnica.

Naquele momento, a Argentina enfrentava uma crise internacional pelas denúncias de mortes e torturas, de tal modo que muitos países eram contra a realização do Mundial no local. E ter um atacante brasileiro, declaradamente contra o regime militar, comemorando um gol como um militante de esquerda ia totalmente contra os interesses de todos.

Reinaldo recebeu um recado claro sobre o ato: foi sacado do time titular e não voltou a jogar naquela Copa. Embora estivesse enfrentado problemas físicos, o ex-jogador acredita que enfrentar a ordem de Geisel foi determinante para sua saída da equipe.

Ainda naquela Copa, ele recebeu um envelope anônimo da Venezuela com informações em espanhol sobre a ditadura na América do Sul. A existe deste documento e de suas informações nunca foram reveladas por Reinaldo antes do fim da ditadura. O Brasil ainda vivia sob o AI-5 e, apesar do processo de distensão política, todo cuidado era pouco.

Reinaldo não temia ser atingido fisicamente pela ditadura. “Eu contava com respaldo popular. Não iam me sequestrar ou matar, como fizeram com vários outros brasileiros. Mas fui queimado em fogueira pública”, revela.

Como todos sabem, o Brasil saiu invicto da Copa e, por uma daquelas coincidências que esbarram em milhões de teorias da conspiração, a Argentina do general Videla sagrou-se campeã. Reinaldo seguiu a vida no futebol, mas ficou marcado na memória como o jogador que ousou erguer os punhos contra a ditadura.

(Por Vanessa Gonçalves)

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