O famoso sobrenome Antunes Coimbra que ganhou notoriedade com Zico,
Edu, Antunes e Nando, marcou sua família não somente por ter grandes atletas do
futebol, mas porque um deles sentiu na pele o peso dos anos de chumbo.
Nando durante a homenagem do Ceará Sporting Club após sua anistia |
Em 1963, Zezé, irmã dos
craques da família Coimbra, cursava Filosofia e convidou Nando para participar
do concurso para professor do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), criado por
Paulo Freire. Ambos foram aprovados. Ela como coordenadora e ele como professor.
Entretanto, após poucos meses de trabalho, a ditadura se instaurou no País e
colocou fim ao programa e iniciou uma perseguição silenciosa aos ex-participantes
da iniciativa.
Atuando no time de juniores do Fluminense, Nando recebeu convite para
jogar no Santos F. C. de Vitória (ES). Mal sabia que ali começaria a
perseguição do regime, refletindo inclusive na carreira de seus irmãos.
“Fui
professor do Plano Nacional de Alfabetização e o primeiro ato da ‘maldita’ no
Rio foi acabar com a PNA e nos considerar subversivos. Não dei muita
importância, pois naquele momento já estava envolvido com o futebol. Após me
tornar profissional, jogando no Espírito Santo por um time da capital que nem
existe mais (o Santos FC), sofri a primeira perseguição quando o treinador foi
substituído por um oficial do exército e este, na primeira semana, me afastou
do elenco. Por certo pediu e recebeu informações do grupo ao SNI e assim ficou
sabendo que fui do PNA. Eles eram muito organizados. O presidente do clube me
desejou sucesso e não quis me dizer o real motivo da minha saída. Pediu que eu
entendesse o momento que o país vivia. Aí entendi o recado na hora”, conta no
livro “Futebol e Ditadura – A história de Nando o primeiro jogador anistiado do
Brasil”.
Em 1967, Nando transferiu-se para o América, do Rio de Janeiro, onde
Antunes e Edu já jogavam. O
técnico Evaristo de Macedo ficou receoso em ter três irmãos atuando no mesmo
time e o emprestou ao Madureira. Mesmo tendo destaque na equipe, acabou sendo afastado
por ser “indisciplinado” – desculpa que o jogador logo entendeu o que queria
dizer, ou seja, envolvido com política.
No ano seguinte, passou a atuar no Ceará Sporting Club e, ao se
destacar, fez com que recebesse uma proposta do Belenenses de Portugal. Encantado
com a possibilidade, partiu para a Europa sem imaginar o pesadelo ao qual
estava prestes a vivenciar ao cair nas garras da ditadura de Salazar.
“Em um determinado dia lá em Portugal, no hotel que eu morava, recebi
a visita de dois cretinos da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do
Estado), que era a polícia política portuguesa, comandada pelo Salazar (...).
Estavam bem informados a meu respeito. Tremi na base porque tinha apenas 22
anos e numa época que as comunicações praticamente só funcionavam através de
cartas. (...) Me ameaçaram até com a ida para a guerra nas Áfricas Portuguesas
por ser filho de português. Quem me salvou foi a esposa de um empresário do
clube que tratava do meu contrato. Ela praticamente me colocou no avião. Saí
fugido, cheguei no Rio e não contei a verdade. Disse apenas que não tinha
gostado de Portugal. Precisava proteger meus irmãos, que faziam muito sucesso.
Sabíamos que o Zico seria um dos melhores do mundo.”
Apesar de todo silêncio, a perseguição a Nando passou a atingir os
irmãos. Edu, que tinha sido o artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1968 e
convocado pela seleção brasileira para a Copa Roca e a Taça Atlântico não pôde
disputar a Copa de 1970. Segundo o
técnico João Saldanha, o regime “tinha restrições em relação à família Antunes”.
Em 1970, ano da Copa do Mundo e auge da repressão política no País, Cecília
Maria Bouças Coimbra, prima de Nando, Zico e cia., foi presa junto com o
marido, por sua participação na resistência à ditadura. Naquela madrugada, Nando
chegou a ir até a casa dela para retirar livros e documentos, evitando que a
barra pudesse pesar ainda mais para os familiares,
Dias depois, a pressão por conta da prisão por questões políticas fez
com que a mãe de Cecília tivesse um mal-estar. Nando, seus primos e alguns
amigos ao tentar ampará-la, foram surpreendidos no local por agentes do DOPS,
fortemente armados, que os levou para a sede do DOI-Codi no Rio de Janeiro.
“No
dia 30 de agosto de 1970, fui preso com quase todos que estavam na casa da mãe
da Cecília na Rua Dias da Cruz, no Méier, e fomos levados para o DOI-CODI onde
eles (Cecília e Novaes) estavam. Ficamos num corredor cercado de celas que mais
pareciam jaulas e numa delas estava o Novaes. Fui interrogado algumas vezes e
sabiam tudo de mim, até de um táxi que tinha que ficava com um motorista
contratado por mim. (...) Passei pelo menos 48 horas com a cara na parede e as
mãos na cabeça. Quando o braço descia de cansaço os soldados vinham com a
baioneta e nos cutucavam, para erguermos o braço de novo. Só saíamos de lá para
os interrogatórios, com capuz na cabeça”, conta.
Temendo pelo prior, Antunes e Edu passaram a fazer vigília na frente do
centro de torturas, buscando libertação de Nando. A pressão dos jogadores, já
conhecidos, funcionou já que os “novos prisioneiros” não foram mais
interrogados.
Em seguida, Nando, os amigos e parentes foram libertados – com exceção
de Cecília e Novaes –. Todos “ganharam” uma ficha de subversivo e o trauma pela
passagem por um dos mais temidos locais da repressão.
Nando tentou retomar a vida voltando ao futebol, mas com uma passagem
apagada pelo Gil Vicente, de Portugal, acabou desistindo e abandonando os
gramados. No entanto, outro motivo ajudou na decisão: Zico, que já despontava
como titular absoluto da seleção olímpica, não foi convocado para os Jogos de Munique,
em 1972, por causa da prisão do
irmão.
A vida seguiu e Nando passou a trabalhar no ramo de vendas até ser
reintegrado ao MEC, em 1992. Mas foi só em 2011 que ocorreu a redenção, quando
a Comissão de Anistia reconheceu que ele fora um perseguido político, tornando o
primeiro jogador de futebol a ser anistiado no Brasil.
”Desistir de jogar foi duro, pois tinha que proteger os meus irmãos, o
que em parte consegui. Me realizei nos pés deles, o Antunes, Edu e o Zico.
Consegui guardar por quarenta anos a minha história e como membro da família
Antunes eu, ao ser anistiado com muita divulgação, provoquei um clima de
espanto porque ninguém sabia de nada. Uma incredulidade total. As pessoas se
perguntavam como tinha sido possível algo desta natureza com a família. Recebi
e recebo sempre muitas homenagens e isto me credencia a afirmar que tudo valeu
a pena”.
(Por Amanda Macedo)
***
Para saber mais sobre o assunto, leia o livro "Futebol e Ditadura – A história de Nando
o primeiro jogador anistiado do Brasil”, do Centro Cultural Ceará Sporting
Club.
Nenhum comentário:
Postar um comentário