sábado, 10 de maio de 2014

Guerra do gogó em São Januário e no Pacaembu

Neruda discursa no Pacaembu, no comício do líder comunista Luiz Carlos Prestes (15/7/1945)

“Ademar toca para Getúlio. Vargas recebe pela direita e avança sobre a marcação. Nas arquibancadas, cheirando a tinta fresca, a massa se levanta. O time de verde-oliva está na boca do gol. O Pacaembu prende a respiração. Ge-ge vai marcar, vai marcar.... Corta a zaga comunista! O beque retoma a bola e entrega a Prestes. O Cavaleiro da Esperança, voltando de uma longa temporada no estaleiro, olha para o lado e entrega a pelota a Pablo Neruda no círculo central. O craque chileno pega a redonda com as mãos. O que é que é isso, minha gente? O estádio inteiro se levanta. O poeta se abaixa e tira um pedaço de papel do meião. E lê: ‘Hoje, peço um grande silêncio de vulcões e rios/ Um grande silêncio peço de terras e varões/ Peço silêncio à América, da neve ao pampa/ Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo/ Silêncio: que o Brasil falará por sua boca.”

A partida imaginária ilustra a batalha pelos corações e mentes dos brasileiros pelas duas forças que dividiram o mundo por mais de 70 anos: direita e esquerda. 


Militares como Getúlio Vargas falavam em nome da nova elite – industrial –, e os comunistas, pela voz de Luiz Carlos Prestes, ex-militar e comandante da histórica Coluna que desafiou as forças da burguesia rural nos anos 1920.

A guerra do gogó aconteceu em todos os campos possíveis. Também nos de futebol. O Pacaembu, em São Paulo, e São Januário, no Rio de Janeiro, foram os dois principais palcos dos discursos dos líderes da época.



Getúlio estava presente na inauguração do Estádio Paulo Machado de Carvalho, no dia 27 de abril de 1940, escoltado por seu interventor no governo paulista, Adhemar de Barros, e pelo prefeito Prestes Maia. O recado era claro: no Estado Novo, a bola ficaria em segundo plano nos templos do futebol – transformados em palanque para ele jogar com a massa.


Faltou, claro, combinar com a redonda, que teimou em ditar suas próprias regras, aceitando a voz de comando apenas de quem a tratava bem com os pés. Por causa da II Guerra Mundial, que ardia na Europa e acabou arrastando os Estados Unidos e o Brasil para o centro do conflito, os craques daquela época não tiveram o reconhecimento internacional merecido. Mas tanto no Rio como em São Paulo os nomes gritados pela torcida nas arquibancadas foram os do  tricolor Leônidas da Silva, do corinthiano Teleco e do palestrino-palmeirense Villadoniga, no Pacaembu, e os de Ademar, Jair e Chico, em São Januário, na equipe que foi o embrião do Expresso da Vitória vascaíno nos anos seguintes.


Em São Januário, no 1º de maio de 1943, Getúlio anunciou a criação da Consolidação das Leis do Trabalho – primeira legislação trabalhista do País. E voltou inúmeras vezes até a ditadura cair, em 1945.

Prestes, empossado como Secretário-geral do PCB, fala a 130 mil pessoas após nove anos preso

Então, deu lugar a Prestes, recém-saído de nove anos nas prisões de Vargas e já viúvo de Olga Benário – alemã-judia-comunista entregue pela ditadura brasileira ao governo de Adolph Hitler, que determinou sua execução. No dia 15 de julho de 1945, com a presença do poeta chileno Pablo Neruda, que leu poema em sua homenagem, o Cavaleiro da Esperança falou a mais de 130 mil pessoas.





O vídeo histórico reproduzido aqui (juntamente com imagens frisadas de cenas do minidocumentário) foi produzido por Ruy Santos, a pedido do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCB). 

Ele ajuda a contar parte da história que se tentou apagar. 



(Por Milton Bellintani)

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