Esperar que do futebol surjam espectros dos debates e
disputas políticas que envolvem a sociedade é o que perpassa todas as
publicações desse blog e também a exposição Política
F. C. – O futebol na ditadura, que
entra em cartaz no Memorial da Resistência de São Paulo em 14 de junho de 2014.
Partidas entre Honduras e El Salvador deflagraram guerra entre os países |
Embora nem todos concordem, certas vezes o gramado se transfigura como um campo de batalha, não apenas no sentido figurado da palavra, mas numa batalha simbólica, na qual os conflitos presentes na vida social se transportam para o estádio.
Foi exatamente o que aconteceu nas eliminatórias da
CONCACAF (Confederation of North, Central American and Caribbean Association
Football) para a Copa do Mundo de 1970, na disputa entre El Salvador e Honduras.
Em 1969, suas seleções disputaram a vaga final para o Mundial no México de 1970. Muito além da vaga para El Salvador, o que marcou notadamente esse jogo foram suas consequências: um conflito bélico, a Guerra das Cem Horas, que ficou mais conhecida como a Guerra do Futebol.
Em 1969, suas seleções disputaram a vaga final para o Mundial no México de 1970. Muito além da vaga para El Salvador, o que marcou notadamente esse jogo foram suas consequências: um conflito bélico, a Guerra das Cem Horas, que ficou mais conhecida como a Guerra do Futebol.
As partidas de futebol entre as seleções
nacionais, e tudo que as cercaram, foram o estopim de um conflito existente
há algum tempo. A tensão entre os dois países, que aumentara ao longo da
década de 60, só se arrefeceu alguns anos após a guerra, quando foi, enfim,
assinado um “Tratado de Paz”.
Embora baseados em uma economia
agroexportadora, com concentração de terra e más condições de trabalho,
Honduras possuía a vantagem de ter um território seis vezes maior do que El
Salvador, transformando-se no mercado mais atrativo para a mão de obra
desempregada ou em busca de melhores condições de vida naquela região.
Com a imigração considerável de salvadorenhos
para o país vizinho, certo grau de xenofobia passou a ser cultivado em Honduras,
inclusive com ações diretas do governo que coibia, por exemplo, que imigrantes
fossem proprietários de terras, justificando o desemprego e os baixos
salários pela imigração de cidadãos de El Salvador.
Em meio a conflitos de terras e
demandas sociais em Honduras, mais uma vez, colocadas sob responsabilidade dos
salvadorenhos, o governo fomenta a partir de 1969 a criação de leis que privavam ainda mais os
direitos dos imigrantes. Foi nesse contexto de tensão e acusação mútua
entre os países que foi disputada a vaga para a Copa do Mundo.
Desde a chegada em Honduras, para o primeiro
jogo da fase final, a seleção salvadorenha foi duramente hostilizada, seu hotel
cercado por torcedores que batucavam, berravam, soltavam rojões e atiravam
pedras nas janelas dos jogadores. No dia seguinte, perante um público
delirante, Honduras ganhou a partida por 1x0.
Entretanto, o efeito da derrota foi
exponencialmente mais trágico após a notícia de que uma jovem, Amélia Bolanios,
que acompanhava a partida pela televisão, havia se suicidado com um tiro do
revólver do pai, em razão do resultado do jogo.
O enterro foi midiatizado. Destacamentos
militares, jogadores da seleção e a televisão acompanharam o sepultamento da jovem. O sentimento de revanche e ódio ao vizinho era propagado como
discurso predominante.
Tamanha foi a pressão sob o futebol, que no jogo de volta a seleção
hondurenha foi levada por carros blindados até o estádio. A vitória de 3x0 de El Salvador, comemorada aparentemente
até pelos jogadores e torcedores de Honduras, uma vez que isso garantia um terceiro e decisivo jogo em campo neutro.
Mas, do lado de fora do estádio a situação era outra. Carros hondurenhos haviam sido queimados e duas pessoas morreram. A tensão tornara-se tão grande que a fronteira entre os dois países foi fechada.
Mas, do lado de fora do estádio a situação era outra. Carros hondurenhos haviam sido queimados e duas pessoas morreram. A tensão tornara-se tão grande que a fronteira entre os dois países foi fechada.
A partida final, jogada no México em 27 de
junho de 1969, já não significava só a vitória no futebol. Até o dia do jogo, acusações
e incidentes ocorreram entre os dois países. Os governos e as forças militares
estavam em sobreaviso.
No campo, El Salvador venceu Honduras por 3 x 2, classificando-se para a Copa. Fora dele, no início de julho, El Salvador invadiu Honduras, desferindo um conflito que duraria cerca de quatro dias, sendo encerrado após intervenção da OEA (Organização dos Estados Americanos).
No campo, El Salvador venceu Honduras por 3 x 2, classificando-se para a Copa. Fora dele, no início de julho, El Salvador invadiu Honduras, desferindo um conflito que duraria cerca de quatro dias, sendo encerrado após intervenção da OEA (Organização dos Estados Americanos).
(Por Thiago Kater)
Assista reportagem sobre o tema:
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Para saber mais sobre o assunto, leia o livro "A Guerra do Futebol", de Ryszard Kapuscinski.
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