Na década de 1930, Matthias Sindelar era um dos mais extraordinários jogadores de futebol em atividade. A habilidade e a qualidade técnica o imortalizaram – embora sejam necessárias ressalvas a respeito desse tipo de projeção – como o maior jogador de futebol e esportista austríaco de todos os tempos, e quiçá, um dos melhores centroavantes que os campos de futebol já presenciaram.
Apelidado de homem de papel, devido ao seu físico, elasticidade e destreza tanto no drible quanto com a bola; ou ainda Mozart do futebol, pois, como este seu conterrâneo, conseguiu fascinar o público como ninguém. No entanto, Sindelar superou sua figura como atleta tornando-se símbolo de resistência ao nazismo.
Nascido em 1903 na região da Morávia, no então Império Austro-Húngaro – região hoje pertencente à República Tcheca, Matthias Sindelar se mudou com a família para Viena com apenas dois anos. Foi na rua do bairro de operários e imigrantes que Sindelar começou a jogar futebol.
Após a morte do pai nos campos de batalha da I Guerra Mundial, empregou-se como mecânico e pouco depois assinou um contrato com o Hertha Viena, um dos clubes de sua vizinhança, iniciando uma carreira paralela como jogador de futebol. Em 1922, depois de já ter perdido o emprego na usina em que trabalhava, machucou o joelho, sendo preterido pelo clube.
O médico do clube de amadores de Viena ofereceu ajuda, convencendo-o a operar o joelho. Recuperado da cirurgia, ingressou na equipe de seu médico em 1924 e, no mesmo ano, tornou-se campeão da Copa da Áustria, conquista que lhe rendeu um contrato como profissional. Após duas temporadas o clube de amadores foi renomeado, tornando-se o Áustria Viena.
Na equipe alvi-roxa, considerada de classe-média e da burguesia, principalmente as de origem judaica, Sindelar fez fama e permaneceu até o fim da carreira, marcando 600 gols em 700 partidas.
Sua primeira participação na seleção nacional foi em 1926, mas, a consagração se deu entre os anos de 1931 e 1934, quando a Áustria e o próprio Sindelar encantaram o público pelo excelente futebol. É o Wunderteam (o time maravilhoso) austríaco.
A exaltação só não foi completa, pois, em 1934, o Wunderteam, em sua primeira participação em Copa do Mundo, foi eliminado nas semifinais pela seleção anfitriã, a Itália – futura campeã do torneio –, no país governado por Mussolini.
Menos delirante, tanto a seleção quanto Sindelar vão à disputa das eliminatórias para Copa do Mundo na França de 1938. Apesar da idade, o Mozart do futebol manteve-se como figura importante da equipe nacional.
Porém, com a anexação da Áustria em março de 1938 por Hitler e seu projeto do III Reich, a Áustria mesmo classificada, deixaria de disputar sua segunda Copa. Mas antes que as seleções fossem unificadas, já que o futebol não poderia ficar de fora da unidade alemã, foi organizada uma partida final entre as equipes nacionais.
O jogo em si possui diversos elementos, alguns provavelmente míticos, o que não implica que sejam desconsiderados. De um desinteresse de Sindelar em participar daquela “festividade” à hipótese de que os nazistas tramaram um sonso e amigável empate sem gols. Mas, quando o jogo se encaminhava para o fim, Sindelar marcou para a Áustria e comemorou efusivamente seu gol, dançando perante aos líderes nazistas, o que criou um silêncio sepulcral na bancada alemã. O segundo gol austríaco só consumou a vitória.
Com a unificação política definitiva da Áustria e a perda de autonomia, o Estado nazista aglutinou diversos setores dessa sociedade. A partir de então, os jogadores austríacos incorporariam a seleção do Reich (claro, os condizentes com as premissas nazistas).
Quase todos... Alegando dores no joelho e a idade avançada, Sindelar se recusou, não sem ameaças, a jogar a Copa do Mundo pela equipe alemã. Preferiu aposentar-se da seleção e logo parou de vez com o futebol. Afastado dos campos, adotou posições, mesmo que não fossem de enfrentamento direto, que vertiam, claramente, contra o nazismo.
Ligado à socialdemocracia, Sindelar passou por algumas intimidações provocadas pelas autoridades nazistas devido à firme posição contra ações de desmandos e violência por parte dos invasores, como a tentativa de dissolução de seu ex-clube, o Áustria Viena, devido às ligações e origens semíticas.
O constrangimento psicológico e as ameaças cresceram, junto com os boatos de banimento de judeus e opositores. Em 23 de janeiro de 1939, Sindelar é encontrado morto em seu apartamento, junto com sua companheira Camila (que tinha origem judaica), ambos asfixiados por monóxido de carbono. Obviamente, a Gestapo não fez questão de investigar o caso a fundo.
Suicídio, assassinato político ou acidente (esse parece menos provável)? A morte de Matthias Sindelar, independente da causa, deve ajudar à reflexão daquilo que foi o regime nazista e da resistência a ele, dentro ou fora dos campos de futebol. Ao negar sua participação numa equipe forjada pelos líderes nazistas, Sindelar mostrou sua resistência, ainda que para alguns, apenas simbólica.
Assista ao documentário sobre o jogador:
Leia também
- O outro lado do jogo
- Uma trégua pelo futebol
- Friedenreich vai à guerra
Para saber mais sobre o assunto, leia o livro "German Football: History, Culture, Society", de Alan Tomlinson e Christopher Young.
Matthias Sindelar |
Apelidado de homem de papel, devido ao seu físico, elasticidade e destreza tanto no drible quanto com a bola; ou ainda Mozart do futebol, pois, como este seu conterrâneo, conseguiu fascinar o público como ninguém. No entanto, Sindelar superou sua figura como atleta tornando-se símbolo de resistência ao nazismo.
Nascido em 1903 na região da Morávia, no então Império Austro-Húngaro – região hoje pertencente à República Tcheca, Matthias Sindelar se mudou com a família para Viena com apenas dois anos. Foi na rua do bairro de operários e imigrantes que Sindelar começou a jogar futebol.
Após a morte do pai nos campos de batalha da I Guerra Mundial, empregou-se como mecânico e pouco depois assinou um contrato com o Hertha Viena, um dos clubes de sua vizinhança, iniciando uma carreira paralela como jogador de futebol. Em 1922, depois de já ter perdido o emprego na usina em que trabalhava, machucou o joelho, sendo preterido pelo clube.
O médico do clube de amadores de Viena ofereceu ajuda, convencendo-o a operar o joelho. Recuperado da cirurgia, ingressou na equipe de seu médico em 1924 e, no mesmo ano, tornou-se campeão da Copa da Áustria, conquista que lhe rendeu um contrato como profissional. Após duas temporadas o clube de amadores foi renomeado, tornando-se o Áustria Viena.
Na equipe alvi-roxa, considerada de classe-média e da burguesia, principalmente as de origem judaica, Sindelar fez fama e permaneceu até o fim da carreira, marcando 600 gols em 700 partidas.
Sua primeira participação na seleção nacional foi em 1926, mas, a consagração se deu entre os anos de 1931 e 1934, quando a Áustria e o próprio Sindelar encantaram o público pelo excelente futebol. É o Wunderteam (o time maravilhoso) austríaco.
A exaltação só não foi completa, pois, em 1934, o Wunderteam, em sua primeira participação em Copa do Mundo, foi eliminado nas semifinais pela seleção anfitriã, a Itália – futura campeã do torneio –, no país governado por Mussolini.
Sindelar negou-se a jogar pela Alemanha de Hitler |
Menos delirante, tanto a seleção quanto Sindelar vão à disputa das eliminatórias para Copa do Mundo na França de 1938. Apesar da idade, o Mozart do futebol manteve-se como figura importante da equipe nacional.
Porém, com a anexação da Áustria em março de 1938 por Hitler e seu projeto do III Reich, a Áustria mesmo classificada, deixaria de disputar sua segunda Copa. Mas antes que as seleções fossem unificadas, já que o futebol não poderia ficar de fora da unidade alemã, foi organizada uma partida final entre as equipes nacionais.
O jogo em si possui diversos elementos, alguns provavelmente míticos, o que não implica que sejam desconsiderados. De um desinteresse de Sindelar em participar daquela “festividade” à hipótese de que os nazistas tramaram um sonso e amigável empate sem gols. Mas, quando o jogo se encaminhava para o fim, Sindelar marcou para a Áustria e comemorou efusivamente seu gol, dançando perante aos líderes nazistas, o que criou um silêncio sepulcral na bancada alemã. O segundo gol austríaco só consumou a vitória.
Com a unificação política definitiva da Áustria e a perda de autonomia, o Estado nazista aglutinou diversos setores dessa sociedade. A partir de então, os jogadores austríacos incorporariam a seleção do Reich (claro, os condizentes com as premissas nazistas).
Quase todos... Alegando dores no joelho e a idade avançada, Sindelar se recusou, não sem ameaças, a jogar a Copa do Mundo pela equipe alemã. Preferiu aposentar-se da seleção e logo parou de vez com o futebol. Afastado dos campos, adotou posições, mesmo que não fossem de enfrentamento direto, que vertiam, claramente, contra o nazismo.
Ligado à socialdemocracia, Sindelar passou por algumas intimidações provocadas pelas autoridades nazistas devido à firme posição contra ações de desmandos e violência por parte dos invasores, como a tentativa de dissolução de seu ex-clube, o Áustria Viena, devido às ligações e origens semíticas.
O constrangimento psicológico e as ameaças cresceram, junto com os boatos de banimento de judeus e opositores. Em 23 de janeiro de 1939, Sindelar é encontrado morto em seu apartamento, junto com sua companheira Camila (que tinha origem judaica), ambos asfixiados por monóxido de carbono. Obviamente, a Gestapo não fez questão de investigar o caso a fundo.
Suicídio, assassinato político ou acidente (esse parece menos provável)? A morte de Matthias Sindelar, independente da causa, deve ajudar à reflexão daquilo que foi o regime nazista e da resistência a ele, dentro ou fora dos campos de futebol. Ao negar sua participação numa equipe forjada pelos líderes nazistas, Sindelar mostrou sua resistência, ainda que para alguns, apenas simbólica.
(Por Thiago Kater)
Leia também
- O outro lado do jogo
- Uma trégua pelo futebol
- Friedenreich vai à guerra
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Para saber mais sobre o assunto, leia o livro "German Football: History, Culture, Society", de Alan Tomlinson e Christopher Young.
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