O jornalista e técnico João Saldanha assumiu o comando
da Seleção Brasileira no início de fevereiro de 1969, pouco antes de o escrete
iniciar os preparativos para as eliminatórias da Copa, em meio à crise e
desesperança que pairavam sobre o selecionado nacional. Naquele momento, o
Brasil, CBD e João Havelange precisavam que o selecionado voltasse a despertar
a emoção do torcedor e ganhar prestígio.
Médici recebe a delegação após a conquista do Tri |
Cada um tinha planos próprios com relação a uma
possível vitória no Mundial. Para o país, seria o que faltava para os militares
reforçarem a ideia do “Brasil Grande”, para a CBD porque vivia uma crise após
as trapalhadas na Copa de 1966 e Havelange porque era candidato à presidência
da Fifa.
Para Saldanha, assumir o cargo representava não só
ajudar o Brasil a retomar seu caminho no futebol, mas também era ter em mãos
uma importante arma política para denunciar os crimes da ditadura, como ele
mesmo contou: “Tem tortura, gente sumindo. Posso ser mais útil neste cargo. Útil
para o futebol e para a política”.
O jornalista não aceitava a tese de que, ao chamar
um comunista para o comando da seleção, a ditadura estaria separando o futebol
da política. No entanto, sabia que, além das glórias, “o cargo dava ao titular
o poder de falar diariamente a milhões de brasileiros pelo rádio e televisão.
Se bem trabalhado, era um poderoso instrumento de formação de opinião”.
Além de causar surpresa como escolhido, Saldanha
logo na apresentação espantou a todos ao anunciar a escalação do time titular e
reserva do escrete, declarando que sua equipe era formada por onze “feras”
dispostas a tudo. No entanto, tal atitude desagradou Havelange, pois
tinha ficado claro que, enquanto o jornalista estivesse no comando, não haveria
interferências políticas ou comerciais naquela equipe.
Saldanha sabia que além dos críticos teria de
enfrentar outros dois vilões para conquistar o Tri: os militares e a altitude
mexicana. O Brasil não teve dificuldade para garantir a vaga para a Copa. Foram
seis vitórias em seis jogos com 23 gols marcados e apenas dois tomados, com a
equipe apresentando um futebol bonito e convincente, mostrando que o trabalho
de Saldanha estava no caminho certo.
Para driblar a altitude do México, o treinador
encomendou aos preparadores físicos um estudo que indicasse a melhor preparação
física para a Seleção. Aí começaram os embates com a comissão técnica, abrindo
as portas, posteriormente, para uma “intervenção militar” no selecionado.
Enquanto Costa e Silva esteve no poder, não se
melindrou a influenciar no trabalho de Saldanha na Seleção, o que de certa forma
garantia ao treinador tranquilidade para fazer com o escrete aquilo que achava
certo. Entretanto, quando o general sofreu uma isquemia cerebral e foi substituído
por Médici no poder, a presença do comunista no comando de uma das ferramentas
de publicidade do governo começou a incomodar.
Neste período, as agitações políticas ampliavam a
sede dos militares em exterminar a esquerda armada no Brasil, entre eles o líder
da ALN, Carlos Marighella, assassinado no dia 4 de novembro de 1969. Saldanha
era amigo do líder comunista e não deixou barato a morte do companheiro de
Partidão.
Com objetivo de conhecer os adversários da equipe
na Copa, viajou para a Europa a fim de assistir alguns jogos e se atualizar. O
fato é que, como técnico da Seleção Brasileira, Saldanha era bastante
requisitado por jornalistas estrangeiros. Aproveitando-se disso, não se fez de
rogado e denunciou a repressão no Brasil.
Os militares não gostaram das denúncias de João sobre
os subterrâneos da repressão no Brasil. Entretanto, a popularidade do técnico e
o sucesso de seu trabalho à frente da Seleção não davam motivos para uma demissão
sumária. Até porque, se o afastassem em decorrência das tais denúncias,
atestariam que aquilo que fora dito por Saldanha era realmente verdade.
Segundo André Iki Siqueira, biógrafo do treinador, é
a partir deste momento que “o governo começou a movimentar-se para não
deixar que as glórias do provável tricampeonato ficassem com João. (...) era
preciso marcar João mais em cima, e o Planalto queria receber informações do
cotidiano dele na concentração, nos treinos, nos intervalos, bas viagens, nos
hotéis – queria, enfim, saber de tudo que pudesse desestabilizar o técnico”.
Diante disso, o governo em concordância com a CBD e
João Havelange, impôs a presença de militares na comissão técnica da Seleção. O
chefe da delegação seria o major-brigadeiro Jerônimo Bastos. A ele se juntaram
os preparadores físicos solicitou que a Escola de Educação Física do Exército
(Esefex): Carlos Alberto Parreira e o capitão Benedito José Bonetti, os capitães
Cláudio Coutinho, Kleber Caldas Camerino e Luis Carlos Pacheco Calomino, além
do subtenente Raul Carlesso. De uma hora para a outra, Saldanha estava cercado
por seus inimigos dentro da própria Seleção.
Alguns dos militares escolhidos para a Comissão Técnica
eram apontados como torturadores. A verdade é que ali exerceriam a importante
função de espionar Saldanha e ainda preparar a Seleção no melhor nível possível.
Saldanha sabia que haviam criado um cerco armado em
torno dele e, mesmo sem a mesma liberdade para trabalhar, continuou se
dedicando ao planejamento para a Copa. Em janeiro de 1970, foi ao México
acompanhar o sorteio das chaves do torneio e, em entrevista aos jornalistas
estrangeiros, voltou a denunciar a prática de tortura no Brasil.
A entrevista caiu como uma bomba e o governo
percebeu que, se antes de conquistar o título Saldanha batia no regime, a situação
ficaria pior se voltasse com a Jules Rimet da Copa. Assim, os militares criaram
um clima de provocação, imaginando que o perfil “sangue quente” do treinador
logo o desestruturaria.
Quando a Seleção chegou a Porto Alegre para um
amistoso com a Argentina, em março de 1970, começou a circular o boato de que o
Médici queria a convocação de Dadá Maravilha –, centroavante do Atlético
Mineiro. Saldanha não se fez de rogado e respondeu ao general via imprensa: ‘O
senhor organiza o seu ministério, e eu organizo meu time’.
Após polêmicas com o técnico do Flamengo, Dorival
Knippel – conhecido como Yustrich – e o embate dele com Pelé, os mal resultado
do jogo-treino com o Bangu, empate em 1 x 1, deu aos militares a chave para a
dispensa do treinador.
Jorge Mario Lobo Zagallo foi o escolhido para
substituí-lo. Alinhado aos militares, convocou Dario para a Seleção para
agradar o general Médici. Manteve a base do time, fez alterações no esquema de
jogo e deixou que a conquista – dos jogadores – recaísse sobre o regime, como
era de interesse de todos naquele momento. Com isso, a seleção passava a ser
mais um quartel dos militares no poder.
(Por Vanessa Gonçalves)
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