domingo, 8 de junho de 2014

Onde Arena vai mal... um time no nacional


O Campeonato Brasileiro foi criado em 1971, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, que ficou no poder de 1969 a 1974. 

Por sua identificação com o futebol, Médici entrou para a história como o presidente que mais soube utilizar o esporte para promover seu governo e fortalecer o regime.

 
Médici na tribuna do Maracanã, com o general Figueiredo (de óculos escuros)

O uso do futebol em seu mandato foi determinante para a criação de um campeonato nacional. Médici, assim como fez com a seleção em 1970, militarizou a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) – precursora da CBF –, colocando o almirante Heleno Nunes como presidente da entidade, deixando sob sua confiança a utilização do Brasileirão para fins políticos.

Justificada por um discurso de integração nacional, a criação do torneio tinha como intuito o partido do governo  – ARENA – buscar votos nas regiões em que estava perdendo espaço para o MDB, da oposição.

Havia uma espécie de troca de favores. Os votos em regiões estratégicas eram trocados pela participação de um novo time no campeonato nacional. O uso do futebol era tamanho que 94 equipes participaram do campeonato nacional de 1979. É neste período que nasce o bordão “Onde a Arena vai mal, mais um time no nacional”.

A Arena tentava contentar seus aliados incluindo clubes de todas as regiões do Brasil. Heleno Nunes era o interlocutor dos militares na CBD, não se rogando a "inchar" o Campeonato Nacional de clubes.

Em seu segundo ano à frente da entidade, o almirante incluiu 12 novas equipes no torneio, que contou com 54 clubes na disputa de 1976. Em 77, mais oito times foram convidados. No ano seguinte, marcado pelas eleições, a lista de clubes aumentou para 74, com 11 estreantes. Em 79, o Brasileirão teria 94 times, sendo 23 estreantes.

O aumento do número participantes também privilegiou os grandes times. Afinal, o cruzamento com equipes de menor expressão dificultava a ocorrência de clássicos, permitindo que um clube chegasse à final ou ao título sem enfrentar fortes adversários.

Por exemplo, na edição de 1977, que reuniu 62 clubes, o campeonato foi vencido pelo São Paulo que, durante toda a a campanha, enfrentou apenas cinco times de tradição (Palmeiras, Corinthians, Internacional, Grêmio e Atlético-MG). Em 80, o Flamengo enfrentou apenas quatro grandes (Internacional, Santos, Atlético-MG e Palmeiras), enquanto em 81, o campeão Grêmio enfrentou apenas três pedreiras (Corinthians, Botafogo e São Paulo).

Para entender melhor essa dinâmica, vale lembrar que esse crescimento acompanhava a necessidade de buscar mais votos pelo Brasil no período da transição “lenta e gradual” para a democracia. A ideia da ARENA era controlar essa abertura através do futebol, evitando que o MDB ganhasse a simpatia dos brasileiros.

Quando o Campeonato Nacional foi criado, em 1971, contava com quatro times do Nordeste, três do Sul e 13 do Sudeste, excluindo as regiões Norte e Centro-Oeste. Por coincidência, as regiões Sul e Sudeste, com 16 dos 20 clubes do torneio, representavam a maioria dos votos do MDB, sendo responsáveis por 71,3%, 77,1% e 77,3% dos votos do partido nas eleições de 1966, 1970 e 1978, respectivamente.

Nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste a representatividade do MDB era bem menor. Insatisfeitos, os políticos da ARENA não gostaram dessa "ausência" no Brasileirão e, com apoio do governador de Goiás, foi criado um campeonato à parte, com os excluídos da CBD.

Para consertar a situação, no ano seguinte, a entidade incluiu seis times dessas regiões no campeonato, duplicando a participação do Nordeste (4 equipes), com mais dois times do Norte, um do Amazonas e um do Pará. 

A cada ano, o número de clubes das regiões dominadas pela ARENA foi aumentando, chegando a contar com 30 clubes do Nordeste em 1979. Um exemplo típico desse uso político foi a inclusão do Itabuna da Bahia no brasileirão de 78. O time era bancado por produtores de cacau, apoiados pelo governo do estado, que era do partido governista.

É interessante ressaltar que durante este período muitas pessoas ligadas ao futebol participaram das eleições, utilizando a popularidade conferida pelo esporte. A ARENA colocou como governador em São Paulo Laudo Natel, ex-presidente do São Paulo. O partido ainda contou como representantes nas eleições: o ex-presidente do Corinthians, Wadi Helu; o presidente da Portuguesa, Oswaldo Teixeira; o ex-presidente do Santos, Atiê Jorge Curi; Francisco Trindade, presidente do Bahia, e o ex vice-presidente do Grêmio, Sérgio Ilha Moreira.

O MDB também se aproveitou da situação, contando com candidatos como: Djalma Campos, ídolo do Sampaio Correia e eleito vereador de São Luís (MA); Wilson Piazza, volante campeão do Mundo com a seleção em 1970, eleito vereador em Belo Horizonte (MG); Ademar de Barros, ex-presidente do América-MG tentou vaga no Congresso; e o presidente da Federação Paulista, João Mendonça Falcão, que foi eleito deputado estadual.

A utilização do esporte como meio político foi clara nesses primeiros anos do Campeonato Brasileiro. O torneio serviu como importante forma de aproximação entre políticos e as populações regionais. A criação do Brasileirão tinha como mote mais vontade política do que a futebolística, confundindo-se com a politicagem dos anos de chumbo.

(por Thomaz Lemmi)

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