O Campeonato
Brasileiro foi criado em 1971, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici,
que ficou no poder de 1969 a 1974.
Por sua
identificação com o futebol, Médici entrou para a história como o presidente
que mais soube utilizar o esporte para promover seu governo e fortalecer o regime.
Médici na tribuna do Maracanã, com o general Figueiredo (de óculos escuros) |
O uso do
futebol em seu mandato foi determinante para a criação de um campeonato
nacional. Médici, assim como fez com a seleção em 1970, militarizou a CBD
(Confederação Brasileira de Desportos) – precursora da CBF –, colocando o
almirante Heleno Nunes como presidente da entidade, deixando sob sua confiança
a utilização do Brasileirão para fins políticos.
Justificada
por um discurso de integração nacional, a criação do torneio tinha como intuito
o partido do governo – ARENA – buscar votos nas regiões em que estava
perdendo espaço para o MDB, da oposição.
Havia uma espécie
de troca de favores. Os votos em regiões estratégicas eram trocados pela
participação de um novo time no campeonato nacional. O uso do futebol era
tamanho que 94 equipes participaram do campeonato nacional de 1979. É neste período
que nasce o bordão “Onde a Arena vai mal, mais um time no nacional”.
A Arena
tentava contentar seus aliados incluindo clubes de todas as regiões do Brasil.
Heleno Nunes era o interlocutor dos militares na CBD, não se rogando a
"inchar" o Campeonato Nacional de clubes.
Em seu
segundo ano à frente da entidade, o almirante incluiu 12 novas equipes no
torneio, que contou com 54 clubes na disputa de 1976. Em 77, mais oito times
foram convidados. No ano seguinte, marcado pelas eleições, a lista de clubes
aumentou para 74, com 11 estreantes. Em 79, o Brasileirão teria 94 times, sendo
23 estreantes.
O aumento do
número participantes também privilegiou os grandes times. Afinal, o cruzamento
com equipes de menor expressão dificultava a ocorrência de clássicos,
permitindo que um clube chegasse à final ou ao título sem enfrentar fortes
adversários.
Por exemplo,
na edição de 1977, que reuniu 62 clubes, o campeonato foi vencido pelo São
Paulo que, durante toda a a campanha, enfrentou apenas cinco times de tradição
(Palmeiras, Corinthians, Internacional, Grêmio e Atlético-MG). Em 80, o
Flamengo enfrentou apenas quatro grandes (Internacional, Santos, Atlético-MG e
Palmeiras), enquanto em 81, o campeão Grêmio enfrentou apenas três pedreiras
(Corinthians, Botafogo e São Paulo).
Para entender
melhor essa dinâmica, vale lembrar que esse crescimento acompanhava a
necessidade de buscar mais votos pelo Brasil no período da transição “lenta e
gradual” para a democracia. A ideia da ARENA era controlar essa abertura através
do futebol, evitando que o MDB ganhasse a simpatia dos brasileiros.
Quando o
Campeonato Nacional foi criado, em 1971, contava com quatro times do Nordeste,
três do Sul e 13 do Sudeste, excluindo as regiões Norte e Centro-Oeste. Por
coincidência, as regiões Sul e Sudeste, com 16 dos 20 clubes do torneio,
representavam a maioria dos votos do MDB, sendo responsáveis por 71,3%, 77,1% e
77,3% dos votos do partido nas eleições de 1966, 1970 e 1978, respectivamente.
Nas regiões
Norte, Centro-Oeste e Nordeste a representatividade do MDB era bem menor.
Insatisfeitos, os políticos da ARENA não gostaram dessa "ausência" no
Brasileirão e, com apoio do governador de Goiás, foi criado um campeonato à
parte, com os excluídos da CBD.
Para
consertar a situação, no ano seguinte, a entidade incluiu seis times dessas
regiões no campeonato, duplicando a participação do Nordeste (4 equipes), com mais dois
times do Norte, um do Amazonas e um do Pará.
A cada ano, o
número de clubes das regiões dominadas pela ARENA foi aumentando, chegando a
contar com 30 clubes do Nordeste em 1979. Um exemplo típico desse uso político foi a inclusão do Itabuna da Bahia no brasileirão de 78. O time era bancado por produtores de
cacau, apoiados pelo governo do estado, que era do partido governista.
É
interessante ressaltar que durante este período muitas pessoas ligadas ao
futebol participaram das eleições, utilizando a popularidade conferida pelo
esporte. A ARENA colocou como governador em São Paulo Laudo Natel,
ex-presidente do São Paulo. O partido ainda contou como representantes nas eleições:
o ex-presidente do Corinthians, Wadi Helu; o presidente da Portuguesa, Oswaldo
Teixeira; o ex-presidente do Santos, Atiê Jorge Curi; Francisco Trindade,
presidente do Bahia, e o ex vice-presidente do Grêmio, Sérgio Ilha Moreira.
O MDB também
se aproveitou da situação, contando com candidatos como: Djalma Campos, ídolo
do Sampaio Correia e eleito vereador de São Luís (MA); Wilson Piazza, volante campeão do Mundo com a seleção em 1970, eleito vereador
em Belo Horizonte (MG); Ademar de Barros, ex-presidente do América-MG tentou
vaga no Congresso; e o presidente da Federação Paulista, João Mendonça Falcão, que foi
eleito deputado estadual.
A utilização
do esporte como meio político foi clara nesses primeiros anos do Campeonato
Brasileiro. O torneio serviu como importante forma de aproximação entre políticos
e as populações regionais. A criação do Brasileirão tinha como mote mais vontade
política do que a futebolística, confundindo-se com a politicagem dos anos de
chumbo.
(por Thomaz Lemmi)
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