domingo, 1 de junho de 2014

A estreita relação entre Médici e o futebol

Nenhum presidente brasileiro usou tanto o futebol como o general Emílio Garrastazu Médici, que ficou no poder de 1969 e 1974. Representante da "linha-dura", ala mais radical dos militares, ficou famoso pela quantidade de pessoas presas e torturadas durante sua gestão, considerada a mais repressivo na história política do país.


Médici em recepção aos tricampeões

Apaixonado por futebol, o general aproveitou a Copa de 1970 para esconder às violações aos direitos humanos – tortura, assassinato e desaparecimento de opositores políticos. Tinha como forte aliada a censura aos veículos de comunicação, que divulgava apenas informações de interesse da ditadura.

Com esse poder em mãos, Médici conseguiu criar uma campanha ufanista, que buscava legitimar e aumentar a popularidade do regime, baseada no futebol espetacular do escrete canarinho. A publicidade desenvolvida pelo órgão do governo, Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), apresentava o general-presidente como um "homem do povo" e "apaixonado por futebol".

Flamenguista fanático, Médici ficou famoso por acompanhar os jogos do clube no Maracanã. Sempre na tribuna, gostava de aparecer em fotos ao lado de bons jogadores e vencedores. 

Sua influência no futebol tinha bastante peso e o exemplo mais claro disso pôde ser visto durante a Copa de 1970. A conquista do tricampeonato mundial foi permeada pelo uso político do governo, desviando o foco das denúncias internacionais de assassinatos e torturas em meio à sensacional seleção, que além de jogar bonito, encaminhava-se rumo ao título no México.

O Brasil classificou-se para o Mundial sob o comando do jornalista e técnico João Saldanha (leia aqui mais sobre ele), opositor do regime e comunista assumido. No entanto, quando ficaram visíveis as chances de o Brasil ser campeão, acabou tirado do time.

A maior polêmica em relação a isso ocorreu quando o general "sugeriu" a convocação de Dario Maravilha, atacante do Atlético Mineiro. Incomodado com a intervenção do presidente, Saldanha afirmou: “ele escala o Ministério, eu a seleção”. 

Após uma série de problemas e da militarização da comissão técnica, o treinador foi demitido e substituído por Jorge Mario Lobo Zagallo, que assumiu a equipe e, claro, atendeu a pedido de Médici, convocando Dadá Maravilha. 

Com um futebol encantador, o Brasil brilhou no mundial, mas a luta política continuava no país. Durante o torneio, grupos de luta armada sequestraram o embaixador alemão  Ehenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben, pedindo em troca 40 presos políticos.

Aproveitando-se do clima de Copa, Médici declarou que os jogadores brasileiros teriam ficado sensibilizados com a questão do sequestro e que, em razão disso, iriam se desdobrar em campo para presentear o povo brasileiro com mais uma vitória. A conquista veio dos dois lados: os presos políticos foram libertados e o Brasil passou de fase. No entanto, nunca ficou provado que os atletas se importaram com a questão política.

Com a conquista da taça Jules Rimet, garantindo o inédito tricampeonato à seleção brasileira, Médici convidou os atletas para visitarem o Palácio do Planalto em Brasília (DF).

Em mais uma importante jogada de marketing, o general posou ao lado dos jogadores que empunhavam a taça. Para a ditadura, a conquista era mais uma forma de associar o país ao desenvolvimento e à ideia do “Milagre Econômico".

A conquista no México foi explorada na televisão, nos jornais, no rádio, sempre mostrando a prova da força dos brasileiros, com a criação dos slogans e bordões como: “Brasil, ame-o ou deixe-o”; “Ninguém segura esse país”. 

Entre os filhotes da Copa e da campanha bem-sucedida da AERP estão a Loteria Esportiva, criada ainda em 1970, e o Campeonato Brasileiro, no ano seguinte, embalado pelo discurso de integração nacional. 

Com o intuito do governo buscar votos nas regiões em que não tinha bom desempenho político, o Brasileirão chegou a contar com quase a 100 clubes, tudo na base do lema “Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional”. Médici sabia do poder do futebol e, para tristeza do povo brasileiro, soube usar bem isso.




(por Thomaz Lemmi)


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