terça-feira, 13 de maio de 2014

Caio Martins, a preliminar do horror no Chile

Em matéria de ditadura, o Brasil de 1964 foi professor para o Chile tomado por Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.  O golpe de 1º de abril, Dia da Mentira, bem que tentou se travestir de revolução fazendo-se passar por verdade graças à cumplicidade de primeira hora dos barões da imprensa da época. Por mais que tenham tentado esconder, a história real foi se recompondo aos poucos graças aos relatos dos sobreviventes, investigações dos pesquisadores e comprometimento com a verdade, a memória e a justiça das novas gerações que querem ver o País passado a limpo.

Ato de desagravo no Caio Martins

A mentira que alguns tentam vender ainda hoje é que a ditadura começou apenas em 1968, com o AI-5, e acabou 11 anos depois com a Anistia. A verdade verdadeira é que ela mostrou sua verdadeira face desde o primeiro momento. Em todos os lugares. Até nos bastidores do futebol.

Um desses lugares foi o Estádio Caio Martins, em Niterói, transformado em prisão e centro de torturas de mais de 1.000 de brasileiros dos dias seguintes ao golpe de Estado até 1966. O número oficial é de 1.200 presos.

Com as prisões oficiais lotadas, navios ancorados nos portos do Estado do Rio e da cidade de Santos viraram presídios sobre as águas. Ilhas de ferro e terror. E o gramado do campo de Niterói, que viu Garrincha entortar os laterais do Canto do Rio – o time local – e nascer Jairzinho para a bola, o Furacão da Copa de 1970, assistiu sem poder fazer nada aos gritos de gol e deslumbramento da torcida serem trocados por ganidos de presos barbarizados sob as arquibancadas.

A Comissão da Verdade de Niterói levantou 337 registros de prisões no estádio só nos dois primeiros meses de 1964. Por ali passaram o jornalista Álvaro Caldas e o presidente do Partido Socialista Brasileiro na cidade, o advogado Manoel Martins, dois dos mais de 1.800 presos que ele diz terem passado por Caio Martins.

Em 1972, Caldas cobria o Botafogo para o jornal onde trabalhava quando foi preso. Espancado sob a acusação ter participado de uma ação armada fora do Rio, alegou que na data indicada estava em Caio Martins cobrindo um treino do alvinegro. Sua versão foi confirmada pelo treinador Leônidas, zagueiro que marcou época no Fogão anos antes e que quase disputou a Copa do México. Sem saber, o ex-beque salvou o jornalista. Anos depois, os dois se reencontraram em Caio Martins e relembraram o episódio.

Em junho de 2012, o governo do Rio de Janeiro realizou um ato em desagravo aos militantes presos, torturados e mortos no Estado.

A melhor maneira de homenageá-los continua sendo contar a história como ela aconteceu.


(Por Milton Bellintani)

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