terça-feira, 3 de junho de 2014

Marin, homem-sombra, defendeu a ditadura

Marin, presidente da CBF: futebol, política e passado ligado à ditadura (foto: Abr / Tânia Rêgo)

Se José Maria Marin um dia contratar um ghost writer para escrever sua biografia terá dificuldade de aparecer como protagonista nos momentos que marcaram a sua história pessoal. Um resumo apressado poderia sugerir que não. Presidente da CBF na Copa que pode fazer o Brasil campeão em sua própria casa, curando o trauma de 1950; governador do Estado de São Paulo; deputado estadual; vereador e, finalmente; presidente da Federação Paulista de Futebol por duas vezes e atacante do São Paulo Futebol Clube, não faltam qualificações no currículo do ex-jogador, ex-político e cartola redivivo. Mas basta olhar com lupa sua evolução para traçar o perfil que revela o seu estilo de jogar: a sombra.

Desde os primórdios como ponta-direita mediano do São Bento de Marília, Jabaquara e São Paulo Futebol Clube, pelo qual disputou dois jogos e marcou um único gol, comeu a sopa pela beirada. O técnico tricolor da época, Vicente Feola, sugeriu que deixasse de correr atrás da bola e fosse estudar. O aplicado Marin seguiu seu conselho.


Marin (segundo em pé) jogou no São Paulo, sem sucesso, nos anos 1950 (foto: reprodução)

Formou-se em direito e entrou na política pela porta da direita, filiando-se ao Partido de Representação Popular, fundado pelo integralista Plínio Salgado. Elegeu-se vereador em 1963. Após o golpe de 1964, ingressou na Arena (Aliança Renovadora Nacional). Nos anos 1970 elegeu-se deputado estadual, na década que ficou marcada pela invasão de dirigentes do futebol na política. Todos alinhados à direita.

Fiel à vocação de escudeiro, embarcou na onda de discursos contra a suposta “comunização” da TV Cultura, puxada pelo deputado e ex-presidente do Corinthians Wadih Helu na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Pouco tempo depois, o jornalista Vladimir Herzog, que comandava o jornalismo da emissora pública do governo estadual, morreu no DOI Codi em consequência de torturas e montou-se a farsa de que teria se suicidado. Já por iniciativa própria, um ano depois usaria a tribuna da Assembleia paulista para discursar em defesa do delegado Sergio Paranhos Fleury, que chefiava a equipe de torturadores do Deops, a quem qualificou como incompreendido por não se fazer a “devida justiça a seu trabalho”.

Na política, seu maior feito foi colar na ascensão de Paulo Maluf, ex-prefeito biônico e último governador indireto de São Paulo nomeado pela ditadura. Graças a isso herdou a cadeira do Palácio dos Bandeirantes por dez meses, em 1982, completando o mandato malufista, que deixou o cargo para candidatar-se a deputado federal. Como governador, assinou a extinção do antigo Deops.

A trajetória política abriu caminho para Marin retornar ao futebol, agora não mais como coadjuvante. Foi presidente da Federação Paulista de Futebol de 1982 a 1988. Chefiou a delegação brasileira na Copa do México de 1986 e era o vice-presidente da Região Sudeste da CBF quando Ricardo Teixeira renunciou à presidência. Por ser o mais velho entre os cartolas, herdou o cargo. Ainda como vice, protagonizou o vexame de tentar explicar-se por ser flagrado pela TV embolsando uma das medalhas que deveria ser entregue a jogadores do Corinthians, campeão Copa São Paulo de Futebol Júnior. Disse que era um presente da Federação. Mas o jogador Mateus ficou sem sua medalha no ato de premiação.

Na convocação de Felipão dos 23 jogadores para a Copa no Brasil, sentou-se ao lado do treinador e falou mais do que é costume um cartola falar nessas situações.

Se o Brasil vencer o Mundial, entrará para a história oficial como o cartola vencedor do hexa. Na história que vale registro, será sempre aquele que usou as sombras para aparecer bem na foto. Mas não conseguirá apagar o passado ligado à ditadura.


(Por Milton Bellintani)






Nenhum comentário:

Postar um comentário