quarta-feira, 4 de junho de 2014

Bola dividida: O tri e o sequestro do embaixador

Após o sequestro do embaixador americano em 1969, a ditadura articulou as várias forças repressivas e aparatos de segurança do governo no combate à guerrilha, na tentativa de evitar novas ações dos grupos de esquerda.

Os presos políticos libertados durante a Copa assistiram a final na Argélia

A repressão passou então a agir de forma intensa e organizada, na tentativa de desmobilizar e capturar os membros da luta armada. Os participantes do sequestro de Charles Elbrick foram uns dos primeiros a sentirem o furor com que o regime trataria os guerrilheiros. Quase todos os envolvidos no rapto foram presos ou mortos.

Através dessas ações repressivas outros planos da luta armada foram descobertos, seja pelos depoimentos sob tortura ou pelo acesso aos documentos elaborados por organizações como VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), ALN (Ação Libertadora Nacional) ou o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).

Um desses planos era o sequestro do embaixador alemão, Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben. Tendo à mão um documento detalhado de qual seria a estratégia do rapto do embaixador, inclusive com as iniciais dos guerrilheiros que participariam da ação, os grupos de inteligência do Exército desacreditaram que ação seria efetuada.

Mesmo mudando o plano inicial, os militantes da VPR, que organizariam o sequestro, reavaliaram e substituíram o nome de Von Holleben pelo do cônsul japonês. Mas a presença de uma viatura de polícia impediu a ação.

Porém, num golpe de mestre, reavivaram a ideia inicial do sequestro do embaixador alemão. Certos de que a repressão não pensava que seriam capazes de tal arrojo, começaram a verificar os detalhes faltantes para a ação.

Após verificar a rotina de Von Holleben, os gruposexpropriaram carros e armas, bem como  alugaram uma casa para esconder o diplomata. Sem maiores problemas, o dia 11 de junho de 1970 o sequestro foi realizado com sucesso. O embaixador alemão foi levado ao cativeiro e horas depois as exigências para a sua libertação foram a público, pouco antes da partida entre Brasil e Peru: a libertação de 40 presos políticos e a leitura, em cadeia nacional, de um manifesto.

Nesses dias, outro acontecimento atraia a atenção de todos: a Copa do Mundo. A imprensa dividiu sua atenção, noticiando praticamente com a mesma ênfase a Copa e o sequestro. No México, até os jogadores da seleção foram usados, por parte da mídia, como condenação ao rapto. Em notas, propagandeava-se que os craques da seleção estavam abalados e repudiavam as ações dos “terroristas”.



Diário de Notícias - 13.06.1970 

Dentro do cativeiro, o futebol não passou em branco. Nem mesmo nas prisões, onde além dos 40 a serem libertados muito presos políticos estavam detidos, o futebol não deixou de ser assunto. Em ambos os lugares um debate sobre torcer ou não pelo Brasil. Sem uma decisão das organizacões, a opção ficou mais a cargo de cada um. Apesar do impasse, muitos torceram pela seleção.

Os 40 presos políticos enviados para a Argélia puderam ainda acompanhar a final e a conquista do tricampeonato pela televisão. E os militantes que fizeram o sequestro também. Um deles, Alfredo Sirkis, em seu livro Os carbonários, relata como reagiu à conquista: 

“E como deixar de comemorar? A seleção de Zagallo, à qual João Saldanha deu o grande impulso inicial, levou o futebol brasileiro à sua plenitude. (...) Porque queriam saber da seleção, acompanhar todos os detalhes da Copa, dezenas de milhões de pessoas ficaram como hipnotizadas, de olho no vídeo. (...) O governo aproveitou a ocasião para deslanchar uma gigantesca campanha de autopromoção. Era como se a vitória do tri lhe pertencesse. (...) Como testa-de-ferro de um poder exercido em termos práticos pelo Conselho de Segurança Nacional, coube a Médici fazer opereta, se popularizar através dos grandes media, naquele momento de comemoração nacional. (...) Aquela enorme manipulação, irresistível, amargava nossa curtição do tri.”



Diário de Notícias - 17.06.1970

(Por Thiago Kater)

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Para saber mais sobre o assunto, leia o livro "Os carbonários", de Alfredo Sirkis, e artigo "Médici e o futebol: a utilização do esporte mais popular do brasil pelo governo mais brutal do regime militar", de Marcos Guterman.

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