A ideia de Oriente compõe-se por inúmeras visões, grande parte delas ligadas à
intolerância, guerra e terrorismo; e, claro, certo grau de exotismo.
Infelizmente, é essa a imagem que se consolida no imaginário do Ocidente.
Jogadores de Irã e Estados Unidos iniciam paz nos gramados |
No entanto, a própria dicotomia entre as regiões é uma
postulação histórica com outros intuitos, como aponta Edward Said. "Vê-se no Oriente o outro, o diferente, o que
serve como justificativa para controversas ações".
Quando falamos em Oriente muitas imagens vêm à mente, mas
é quase certo que o futebol não é uma delas. No entanto, este esporte é um elemento
importante na dinâmica interna e externa dos países conhecidos como árabes.
E, por incrível que pareça, episódios marcantes nas relações
externas entre esses países tiveram o futebol como protagonista.
O Irã foi o primeiro país do Oriente
Médio a conseguir classificação para uma Copa do Mundo. Em 1978, seu melhor resultado foi um empate de 1x1 com a Escócia.
No entanto, após a chegada ao poder do
Aiatolá Khomeini, o futebol iraniano enfrentou uma série de restrições
internas e externas.
Internamente, a Revolução Islâmica alterou a dinâmica
da sociedade, fazendo com que os clubes tivessem nomes modificados de acordo com
a perspectiva e interesse do regime. Externamente, após o início da guerra com
o Iraque – este aliado, até então, dos Estados Unidos – ambos os países
sofreram sanções e ficaram sem participar de competições internacionais.
Após o fim da guerra e a volta às
competições internacionais, os países envolvidos nos conflitos ainda sentiam os
resquícios e implicações causadas pela guerra. As eliminatórias e a Copa de
1998 na França colocariam os antigos adversários frente à frente.
Enquanto comemoravam a desclassificação
do Iraque, que não passou da primeira fase das eliminatórias, – gerando um
grande mal-estar depois que Uday, filho de Saddam Hussein, chefe do comitê
olímpico nacional, ameaçou os jogadores – o Irã disputou a repescagem contra a
Austrália, e depois de estar perdendo de 2 a 0, conseguiu o empate, garantindo
seu lugar na Copa da França.
Entretanto, foi durante a Copa de 1998 que ocorreu o embate mais
simbólico. Irã e Estados Unidos foram sorteados para o mesmo grupo. O
relacionamento entre os países continuava tenso, mesmo após a guerra, tanto que, por
muito tempo, o Irã seria considerado um estado “inimigo” dos EUA.
A prévia do jogo foi notícia em todo o
mundo e o possível comportamento dos atletas em campo foi alvo de discussões acaloradas. Mas, para surpresa geral, os chefes de Estado de ambos os países afirmaram que o futebol
poderia ser o primeiro passo para o restabelecimento de uma ligacão amigável, funcionando como um "jogo da paz".
Em campo, o que se viu foi uma afável
relação entre as delegações, que promoveram um espetáculo marcado pela
cordialidade. O resultado foi favorável ao time iraniano, que venceu a
partida por 2 a 1. A imprensa iraniana valorizou enormemente a
vitória, colocando-a como um desígnio quase divino.
Se o jogo não marcou a paz entre Irã e
EUA, mostrou que o futebol permite, em certa medida, o estabelecimento de
relações em que não imperam a violência ou a intolerância, em que o
teórico inimigo seja, novamente, humanizado.
(Por Thiago Kater)
***
Assista aos gols da partida histórica entre Irã e Estados Unidos na Copa da França, em 1998.
Leia também
Nenhum comentário:
Postar um comentário