quarta-feira, 11 de junho de 2014

Irã, Iraque e o futebol


A ideia de Oriente compõe-se por inúmeras visões, grande parte delas ligadas à intolerância, guerra e terrorismo; e, claro, certo grau de exotismo. Infelizmente, é essa a imagem que se consolida no imaginário do Ocidente.

Jogadores de Irã e Estados Unidos iniciam paz nos gramados

No entanto, a própria dicotomia entre as regiões é uma postulação histórica com outros intuitos, como aponta Edward Said. "Vê-se no Oriente o outro, o diferente, o que serve como justificativa para controversas ações". 

Quando falamos em Oriente muitas imagens vêm à mente, mas é quase certo que o futebol não é uma delas. No entanto, este esporte é um elemento importante na dinâmica interna e externa dos países conhecidos como árabes.  

E, por incrível que pareça, episódios marcantes nas relações externas entre esses países tiveram o futebol como  protagonista.

O Irã foi o primeiro país do Oriente Médio a conseguir classificação para uma Copa do Mundo. Em 1978, seu melhor resultado foi um empate de 1x1 com a Escócia. 

No entanto, após a chegada ao poder do Aiatolá Khomeini, o futebol iraniano enfrentou uma série de restrições internas e externas. 

Internamente, a Revolução Islâmica alterou a dinâmica da sociedade, fazendo com que os clubes tivessem nomes modificados de acordo com a perspectiva e interesse do regime. Externamente, após o início da guerra com o Iraque – este aliado, até então, dos Estados Unidos – ambos os países sofreram sanções e ficaram sem participar de competições internacionais. 

Após o fim da guerra e a volta às competições internacionais, os países envolvidos nos conflitos ainda sentiam os resquícios e implicações causadas pela guerra. As eliminatórias e a Copa de 1998 na França colocariam os antigos adversários frente à frente. 

Enquanto comemoravam a desclassificação do Iraque, que não passou da primeira fase das eliminatórias, – gerando um grande mal-estar depois que Uday, filho de Saddam Hussein,  chefe do comitê olímpico nacional, ameaçou os jogadores – o Irã disputou a repescagem contra a Austrália, e depois de estar perdendo de 2 a 0, conseguiu o empate, garantindo seu lugar na Copa da França.

Entretanto, foi durante a Copa de 1998 que ocorreu o embate mais simbólico. Irã e Estados Unidos foram sorteados para o mesmo grupo. O relacionamento entre os países continuava tenso, mesmo após a guerra, tanto que, por muito tempo, o Irã seria considerado um estado “inimigo” dos EUA.

A prévia do jogo foi notícia em todo o mundo e o possível comportamento dos atletas em campo foi alvo de discussões acaloradas. Mas, para surpresa geral, os chefes de Estado de ambos os países afirmaram que o futebol poderia ser o primeiro passo para o restabelecimento de uma ligacão amigável, funcionando como um "jogo da paz".

Em campo, o que se viu foi uma afável relação entre as delegações, que promoveram um espetáculo marcado pela cordialidade.  O resultado foi favorável ao time iraniano, que venceu a partida por 2 a 1. A imprensa iraniana valorizou enormemente a vitória, colocando-a como um desígnio quase divino. 

Se o jogo não marcou a paz entre Irã e EUA, mostrou que o futebol permite, em certa medida, o estabelecimento de relações em que não imperam a violência ou a intolerância, em que o teórico inimigo seja, novamente, humanizado.   

 (Por Thiago Kater)

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Assista aos gols da partida histórica entre Irã e Estados Unidos na Copa da França, em 1998.



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